segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Não é Não!


Na seção Homens de Segunda, o jornalista e roteirista Marcelo Zorzanelli faz um apelo às mulheres (e, de quebra, dá um bom conselho aos homens).
A maior crueldade que uma mulher pode fazer com um homem é deixar de empregar corretamente a palavra “não”. Esta palavra, tão pequena, tão nítida, existe para que não haja mal entendidos no mundo. E é aí que mora a crueldade: deixar de usá-la, ou usá-la e depois voltar atrás.
Li alguma vez, e procuro este artigo novamente há bastante tempo sem sucesso, que a melhor coisa que uma mulher vítima de um amor não requisitado pode fazer por um homem, a coisa mais compassiva e humana, é dizer não com a economia informativa de um médico que afirma, à família, que seu parente parou de respirar. O homem apaixonado não vai desistir. Estimo que metade do que o ser humano fez, na História, não teria acontecido caso algumas mulheres fossem menos fatais e cortassem, abruptamente, as migalhas de esperança que atiram nos pobres apaixonados. Um homem obcecado pela ideia de possuir uma mulher que não lhe quer é capaz de aprender a cozinhar, levar toda a mudança da “vamp” nas costas, construir pontes e castelos, declarar guerra a impérios e talvez até cortar as unhas do pé com mais frequência.
Muito se fala hoje da tal “friend zone”. Eu estive metido numa situação assim há algum tempo – digo, em mais uma dessas situações. As migalhas de atenção eram por mim digeridas com afã, depois racionadas pelos dias, contadas, admiradas, como se fossem pérolas. Os amigos, ah!, os amigos, liam e reliam as parcas trocas de mensagens, e eu os fazia as perguntas mais esdrúxulas, na esperança de finalmente entender de que lado da “friend zone” eu me encontrava. O que eles me diziam, e o que era nítido, é que eu estava do lado dos amigos. Mas eu não ouvia. Até ouvia. Mas aí vinha um comentário num post, um like no instagram, uma nova migalha. Há a lenda de que Dante escreveu toda sua obra em homenagem a uma moça que viu apenas duas vezes na vida, a fidalga Beatrice Portinari.
Nesse tempo, eu li bastante sobre o que fazer no caso de um amor não correspondido. Um manual da Renascença apontava que devemos “evitar os poetas românticos”. (Outras dicas: evitar o álcool, isolar-se na natureza e viajar. Lembrei agora: estes conselhos estão no poema Remedia Amoris, de Ovídeo) Sim, sim. O poeta romântico contemporâneo com quem melhor me relaciono se chama Roberto Carlos. Ouvi-lo durante este período era como, como disse mesmo Camões?, era um sintoma do “querer estar preso por vontade” (o verso é citado de memória, posso estar sambando sobre o túmulo do autor de Os Lusíadas). Ouvir o Rei Roberto fazia mal. Mas não dava para parar. “Entre nós dois tinha que haver mais sentimento”, ele dizia e eu concordava, rodando uma pedra de gelo no copo de perfil baixo, já sem uísque.
A namorada de um amigo foi a mais patente ao afirmar que eu estava sendo “stringed along”. Ela é americana, e a expressão quer dizer que ela me tinha numa coleira, que me mantinha a uma distância segura, mas também não me deixava ir embora. O não não vinha. Digo, veio. Mas não durou. Depois do não, vieram algumas migalhas. E eu as aparava de mãos postas, como se rezasse.
Uma vez entrevistei o psicólogo-pop Contardo Calligaris. Ele me disse que os cortes precisam ser secos. Que via todo tipo de vantagem no término de um relacionamento feito por via de um SMS. Nada mais elucidativo que um pé na bunda conciso, interiço, bem aplicado. É bom para todo mundo.
Por isso falo em crueldade. Pode ser falta de experiência, insegurança, imaturidade. Mas então cresçam, vos conclamo. Digam não. Parem com esta coisa de deixar o cara por ali. Vocês sabem muito bem que não irão para a cama com ele novamente. Que não querem nada com ele. Não se imaginam de mãos dadas com ele. Por favor, sejam dignas e larguem a correia da coleira. Expulsem o cara a pontapés. Chega de viver a fantasia vaidosa de ter todos os elogios do mundo na boca de um escravo adestrado a qualquer momento. Cresçam. Mandem o cara para o espaço. Se você joga migalhas para caras apaixonados por você, eu só posso desejar uma coisa: que você se meta numa encalacração semelhante, e que o cara seja cruel. Passar bem.

Leia aqui outro texto do autor.

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