Na
seção Homens de Segunda, o jornalista e roteirista Marcelo
Zorzanelli faz um apelo às mulheres (e, de quebra, dá um bom
conselho aos homens).
A maior
crueldade que uma mulher pode fazer com um homem é deixar de
empregar corretamente a palavra “não”. Esta palavra, tão
pequena, tão nítida, existe para que não haja mal entendidos no
mundo. E é aí que mora a crueldade: deixar de usá-la, ou usá-la e
depois voltar atrás.
Li alguma
vez, e procuro este artigo novamente há bastante tempo sem sucesso,
que a melhor coisa que uma mulher vítima de um amor não requisitado
pode fazer por um homem, a coisa mais compassiva e humana, é dizer
não com a economia informativa de um médico que afirma, à família,
que seu parente parou de respirar. O homem apaixonado não vai
desistir. Estimo que metade do que o ser humano fez, na História,
não teria acontecido caso algumas mulheres fossem menos fatais e
cortassem, abruptamente, as migalhas de esperança que atiram nos
pobres apaixonados. Um homem obcecado pela ideia de possuir uma
mulher que não lhe quer é capaz de aprender a cozinhar, levar toda
a mudança da “vamp” nas costas, construir pontes e castelos,
declarar guerra a impérios e talvez até cortar as unhas do pé com
mais frequência.
Muito se
fala hoje da tal “friend zone”. Eu estive metido numa situação
assim há algum tempo – digo, em mais uma dessas situações. As
migalhas de atenção eram por mim digeridas com afã, depois
racionadas pelos dias, contadas, admiradas, como se fossem pérolas.
Os amigos, ah!, os amigos, liam e reliam as parcas trocas de
mensagens, e eu os fazia as perguntas mais esdrúxulas, na esperança
de finalmente entender de que lado da “friend zone” eu me
encontrava. O que eles me diziam, e o que era nítido, é que eu
estava do lado dos amigos. Mas eu não ouvia. Até ouvia. Mas aí
vinha um comentário num post, um like no instagram,
uma nova migalha. Há a lenda de que Dante escreveu toda sua obra em
homenagem a uma moça que viu apenas duas vezes na vida, a fidalga
Beatrice Portinari.
Nesse
tempo, eu li bastante sobre o que fazer no caso de um amor não
correspondido. Um manual da Renascença apontava que devemos “evitar
os poetas românticos”. (Outras dicas: evitar o álcool, isolar-se
na natureza e viajar. Lembrei agora: estes conselhos estão no poema
Remedia Amoris, de Ovídeo) Sim, sim. O poeta romântico
contemporâneo com quem melhor me relaciono se chama Roberto Carlos.
Ouvi-lo durante este período era como, como disse mesmo Camões?,
era um sintoma do “querer estar preso por vontade” (o verso é
citado de memória, posso estar sambando sobre o túmulo do autor de
Os Lusíadas). Ouvir o Rei Roberto fazia mal. Mas não dava para
parar. “Entre nós dois tinha que haver mais sentimento”, ele
dizia e eu concordava, rodando uma pedra de gelo no copo de perfil
baixo, já sem uísque.
A
namorada de um amigo foi a mais patente ao afirmar que eu estava
sendo “stringed along”. Ela é americana, e a expressão quer
dizer que ela me tinha numa coleira, que me mantinha a uma distância
segura, mas também não me deixava ir embora. O não não vinha.
Digo, veio. Mas não durou. Depois do não, vieram algumas migalhas.
E eu as aparava de mãos postas, como se rezasse.
Uma vez
entrevistei o psicólogo-pop Contardo Calligaris. Ele me disse que os
cortes precisam ser secos. Que via todo tipo de vantagem no término
de um relacionamento feito por via de um SMS. Nada mais elucidativo
que um pé na bunda conciso, interiço, bem aplicado. É bom para
todo mundo.
Por isso
falo em crueldade. Pode ser falta de experiência, insegurança,
imaturidade. Mas então cresçam, vos conclamo. Digam não. Parem com
esta coisa de deixar o cara por ali. Vocês sabem muito bem que não
irão para a cama com ele novamente. Que não querem nada com ele.
Não se imaginam de mãos dadas com ele. Por favor, sejam dignas e
larguem a correia da coleira. Expulsem o cara a pontapés. Chega de
viver a fantasia vaidosa de ter todos os elogios do mundo na boca de
um escravo adestrado a qualquer momento. Cresçam. Mandem o cara para
o espaço. Se você joga migalhas para caras apaixonados por você,
eu só posso desejar uma coisa: que você se meta numa encalacração
semelhante, e que o cara seja cruel. Passar bem.
Leia aqui
outro texto do autor.
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